O mais importante para um autor de quadrinhos é a história. Por isso, é fundamental que você tenha algo que queira intensamente contar. O roteiro de Paura não estava funcionando. O protagonista tornou-se apático ao longo da narrativa, um verdadeiro maníaco-depressivo-suicida. Gosto de personagens assim, mas sei que são protagonistas ruins. Revi minhas reais motivações. Busquei o sentimento originário. Aquilo que me fez ficar interessado pela história. Por isso estou reescrevendo o roteiro. Mudei o foco da narrativa, estou concentrado naquilo que realmente me deixa perturbado, curioso e com vontade de escancarar para o mundo. Também cortei toda a gordura que deixava a história difícil de ser lida. Paura será uma armadilha. Uma boa armadilha. Será doce, mas intensa, pervertida e doentia.
Autor: Leonardo Pascoal
O dinheiro

Vez ou outra recebo e-mails perguntando quanto eu ganho para fazer quadrinhos. Quando digo “com quadrinhos quase nada ainda”, o aspirante a quadrinista me olha com despreso, ou desiludido, e não me responde mais. Se você é uma pessoa comum, como eu, precisa ganhar dinheiro para bancar suas necessidades básicas. Quadrinhos pagam as contas? Sim e não. Se você escolheu desenhar suas próprias histórias, vá se acostumando a ter outro trabalho (pode ser com ilustração, professor, funcionário público, algo que não demande muito tempo, ou com baixo stress, para você poder se concentrar em sua obra). Durante alguns anos (por sorte podem ser poucos), seus quadrinhos não vão render grandes dividendos. Você não é famoso, ainda carece de mais estudo, é natural isso. Mas, por mais frio e difícil que possa parecer esse caminho, é gratificante fazer suas próprias histórias, desenvolver sua própria linguagem e estilo, ao invéz de entrar no esquemão mainstream, apenas como mão-de-obra. Os desenhistas e roteiristas da Marvel e DC têm um retorno financeiro mais rápido de seu trabalho, mas sempre serão funcionários. Poucos são aqueles que, após um período nessas grandes editoras, se veem sem trabalho (de tempos em tempos novos estilos de traço surgem, e os desenhistas, se não se adaptam, ficam ultrapassados e perdem seu emprego). É caminho pobre e difícil ser um quadrinista autoral, mas com certeza é muito mais gratificante trabalhar com suas próprias histórias.
Cumpra prazos

Já pensou se, de uma hora para outra, decretassem que nas escolas haverá provas de todas as disciplinas de segunda a sexta, de fevereiro a novembro? Os estudantes não veriam outra alternativa a estudar todos os dias, e não na véspera das provas bimestrais, como é de praxe. Agora já pensou se isso valesse para os quadrinistas? Se você quer ser quadrinista, deve ter uma prova por dia, sem falta. É impossível manter alguma consistência, e evolução, em seu trabalho sem uma rotina consistente. Os prazos servem para te dar um motivo para fazer. Por isso, tenha prazos. E seja objetivo ao defini-los: “1 página por dia”, ou semana (depende de seu ritmo). Tente não se iludir e, a todo custo, cumpra o planejado. Além de motivação, vai terá a sensação de dever cumprido.
Disciplina
Acredito que se você deseja fazer algo grande, que demande esforço pessoal (um livro, por exemplo), você deve cultivar a disciplina. É muito importante ter horários reservados àquela atividade, assim como um operário tem hora certa para bater o ponto e almoçar. Às vezes alguns hábitos interferem nessa disciplina, pequenos vícios que te desviam do foco. Tente identificá-los e corrigi-los o quanto antes. Uma boa técnica é controlar o tempo líquido de atividade. Pegue um papelzinho e vá anotando quanto tempo realmente está se dedicando e desconte sempre aqueles minutos perdidos (banheiro, telefonema, uma espiada no e-mail). Aos poucos, o simples ato de anotar vai te policiando a reduzir as interrupções. É a melhor forma de não se iludir e se dedicar de verdade ao que esteja fazendo.
Enfim, 2009

Aproveite esses dias e faça um balanço da sua vida, veja o que está dando certo e o que deve ser mudado. Planeje seu ano, tendo em mente seus objetivos, e trabalhe duro desde já. O ano passado foi bom, mas quero que este seja melhor. Quero melhorar o site e fazer uma publicação para o FIQ deste ano. Porém, meu foco contina sendo desenhar as páginas de “Paura”, meu primeiro livrinho, o início da minha jornada de autor profissional de quadrinhos (tenho trabalho para o ano todo). Também quero tirar carteira de motorista, fazer exercícios regularmente, formatar o computador, viajar, ler mais (a lista é grande).
Você tem que saber onde quer chegar
Com o roteiro pronto (depois falo mais sobre o que considero pronto), dedico alguns dias (muitos) a buscar aquilo que considero a alma visual da história: a ilustração-conceito. Em ‘Paura’ estava em dúvida se ousava com um estilo mais naturalista (para dar mais peso e credibilidade a história) ou se insistia no meu surrado traço. Para decidir, acabei fazendo muitos testes antes de chegar a essa imagem que sintetizou tudo que eu queria: um estilo de anatomia menos caricatural, traços sem muita variação, olhos vazados e muito contraste com preto. Depois de pronto, coloquei esse desenho-conceito em frente a prancheta: ele vai me guiar, como um farol numa noite sem estrelas, até o fim da história. A caminho é mais curto quando sabemos aonde vamos.
Técnicas que ajudam

Tô usando três cores de lapis: azul para o primeiro esboço (mais gestual), verde para definir melhor a cena e preto para fazer o desenho final. A vantagem é que não preciso usar borracha, assim consigo desenhar mais em menos tempo. Vale a pena você procurar novas técnicas ou soluções que melhorem seu desenho, dê mais conforto ou agilidade na prancheta.
Preço, qualidade e quantidade

Há muitas editoras publicando quadrinhos (chego a pensar que há mais editoras que autores). O que quero dizer é que publicar ficou fácil, mesmo que você não consiga uma boa editora, há a auto-publicação (impressa ou online). Bem ou mal você consegue chegar ao público. Então o que falta? Faltam trabalhos de qualide, bons preços (poucos são aqueles que vão comprar o primeiro álbum de um autor por R$40 ou R$30, mas vai se arriscar se o mesmo não passar de R$15) e, não menos importante, a quantidade (o autor deve ter o compromisso de publicar sempre, o leitor deve ter a sensação de que uma nova história está sendo feita, e que aquele cara que assina a obra não é um mero quadrinista domingueiro). Em resumo: faça mais, melhor, sempre e barato. Você não precisa de muito para ser quadrinista, basta um cantinho e muita persistência.
Na base da insistência
Numa das recorrentes noites de pessimismo me deparei com a seguinte frase: “nada existe tão alto que o homem, com força de vontade, não possa apoiar a sua escada” (Friedrich Schiller). Acho que o maior mal que pode cair sobre um quadrinista é a falta de confiança. Longe do elogio ao otimismo burro, falo da distância entre querer e o fazer. Não há mágica, ou truque para facilitar o caminho. Só há um caminho: fazer sempre. Parece símples, mas é uma tática muito poderosa. Um quadrinista iniciante deve ter em mente somente essa máxima, zelando por cumprí-la sem exceção. Pode-se estabelecer metas de horas diárias, ou por produção (prefiro essa). Só assim se adquire confiança e qualidade. Só há uma forma de se produzir: sempre.
Na prancheta

Já tem nome o filho. Tem nome e alguns espermatozódes em busca da procriação. Cansei do roteiro que vinha cozinhando este ano inteiro. Sabia muito sobre a história: e isso, vejo agora, é um erro. Foi natural partir para outra. Ter um início, um final, um personagem ou algum vestígio de como começar já é o bastante. O autor deve ter uma história que possa causar surpresa a si mesmo, pois ele é o primeiro leitor e deve ser tocado por aquilo que lê. Acho que às vezes a gente fica tentando achar respostas pra tudo e não se dá a oportunidade da dúvida. Você sabe como uma boa história deve ser, você sabe como é um bom desenho: isso já é o bastante. (semana que vem coloco algumas páginas de rascunho)