Nightshade e uma pequena esperança contra as IAs

A internet se tornou um local hostil para os artistas. Postar seus trabalhos na rede significa alimentar o banco de dados de IAs geridas por mega corporações.

Sempre fui entusiasta das webcomics. Leio e publico online há muito tempo. E já cheguei a pensar que o impresso poderia estar com os dias contados.

Mas hoje tenho dúvidas se ainda é uma boa opção publicar quadrinhos na internet.

Estou testando a ferramenta Nightshade, desenvolvida para “envenenar” as IAs que tentarem assimilar a imagem que for tratada com esse filtro.

É uma pequena esperança para tentar a continuar usando a rede para publicar meus quadrinhos.

A outra alternativa é publicar somente da maneira tradicional. Papel e tinta.

Léxico

Pão com manteiga. Marimbondo. Gamela. Desmaio. Mergulho. Velho barreiro. Ovo de lagartixa. Borracha de duas cores. Sangue. Copinho de bochecho. Escada vazada. Macuco. Bicho de pé. TV Semp Toshiba. Rambo. Penumbra. Pão sovado. Bicicleta vermelha. Atari 2600. Relógio do Paraguai. Videocassete mitsubishi. Ficha de locadora. Desegraph Trident 0.1. Akira na biblioteca. Mad Dog. Leite gelado no saquinho. Gianini. Praça da Sé. Pizza de frango com catupiry. Abraço. Banca de revistas. Banda cover. Calça larga. Cine São Luiz. Casa vazia. Óculos de grau. Man in the box. Japonesa. Senhor dos Anéis. Forsaken. Cheiro de tinta. Biblioteca. Casquinha de sorvete. O ‘x’ da questão. Computador emprestado. Zipmail. Alojamento. Praça do relógio. Surto. Copam. Itaquaquecetuba. Barraca emprestada. Estrada da aldeia. X-Crusp. Marmita dividida. TV de quatorze polegadas. Gibiteca Henfil. Resma. Inteligível. Caros Amigos. Abril. Negrito. Modelo vivo. Avenida Ceci. Baratos da Ribeiro. Fundação Carlos Chagas. Saúde. Brigadeiro. Colchão roubado. Terraço. Allstar. Suicídio. Sebo. Refluxo. Celta vermelho. Monte Rei. Avenida São Joaquim. Rodoviária. Pão de queijo. Tudão. Terno. Banri. Sapato social largo. Aspones. Bolor. Hospital do Rim. Uruguai. Tô na Heiniken. Pé de limão. Crawl, costas e peito. Triângulo de encostar. Coxinhas douradas. Carvão, lápis e nanquim. Salto grande. Cimento. Laje. Buraco. Recomeço.

Pedra pomes

Não me lembro bem como começou. Eu estava apenas de passagem por aquela rua. Devia ter entre nove ou dez anos e, quando percebi, estava no meio de uma chuva de pedras.

Do outro lado do quarteirão, meia duzia de moleques descalços. Em cima de um monte de pedra brita, na calçada de uma casa em construção, eles enchiam a mão e jogavam as pedras em minha direção.

Algumas pedras caiam à 4 ou 5 metros antes de chegar a mim. Essas quicavam com menos força, e eu conseguia desviar com facilidade. Outras vinham muito altas, e só as via quando caiam ao meu lado.

Algumas acabavam me acertando. Riscando minha pele. Por isso eu tentava me afastar em zigue e zague.

Aos poucos, outros garotos da rua foram surgindo. Alguns ao meu lado. E estes começaram a devolver as pedras. Era de fato uma guerra para alguns deles. Tentavam mirar e calcular qual ângulo seria mais eficiente. Vibravam quando tiravam fino de alguém. Riam quando as pedras caiam no telhado de uma casa.

De fato era apenas uma brincadeira. Ninguém, seja de qual lado fosse, queriam machucar o oponente.

Foi então que se ouviu um grito de dor.

O garoto mais alto do lado de lá levantou as mãos e fez um sinal “parou, parou, parou!”. E as pedram pararam de vir. E depois, de ir.

Os de lá se reuniram em volta do garoto que estava abaixado com a mão no rosto. Dava pra ouvir as ultimas pedras jogadas ainda quicando no chão. Todos em silêncio.

Os de cá, começaram a se afastar. Foram para as suas casas. E eu, que não morava naquela rua, fui embora.

Ao virar a esquina, lembro que escutei uma mãe. “O olho, o olho!” Foi o que ouvi.

A pedra que amacia a pele e a mesma que fere a carne.

Curso de escrita do Lourenço Mutarelli

Em agosto deste ano fiquei sabendo meio que por acaso que o grande Lourenço Mutarelli estaria dando uma oficina online de escrita. Sempre tive vontade de fazer um dos cursos que ele ministra, mas quando morava em São Paulo nunca conseguia uma vaga (os cursos no Sesc, e antes no CCSP, sempre foram muito concorridos) e, depois, morando aqui no interior, ficou um pouco mais complicado a logística.

Quando me deparei com essa oficina online do projeto Balada Literária (capitaneado pelo monstro Marcelino Freire), não tive dúvidas e fiz logo a inscrição.

Foram quatro meses muito inspiradores. Em que o Lourenço dividiu o seu processo e propôs exercícios que estimulam você a escrever da forma mais espontânea possível.

Sem apelo a técnicas, ao certo e errado, sem dogmas. Mutarelli valoriza que cada um busque o seu jeito de fazer, seja por meio da experimentação, seja pelo retorno a suas memórias e vivências da infância. Algumas aulas funcionavam quase como uma terapia em grupo. Foi muito enriquecedor ver o material dos outros alunos e as experiencias de cada um.

Encerrado o curso, o que fica é a sensação de que voltei a ser aquele garoto que fazia quadrinhos na faculdade, de forma despretensiosa, ciente de seus defeitos, mas nem por isso intimidado pelo desafio. Acho que fui perdendo com o tempo esse sentimento, possivelmente porque comecei a valorizar muito mais os manuais de roteiro que meu instinto.

O grande conselho que fica das aulas, e que gostaria de ter ouvido lá atrás, é esse: valorize o seu jeito natural de fazer, e siga em frente, independente de qualquer coisa. Fazer porque é importante se expressar, sendo verdadeiro e experimentando no caminho.

E silenciando aquele nosso lado crítico que procura um “jeito certo” de se fazer e que, em certa medida, na busca por um resultado específico, acaba simplesmente podando a criatividade natural. Esse processo acaba criando uma espiral em que você faz menos, porque não gosta do que faz, e por fazer pouco acaba fazendo menos ainda.

Foi muito bom esse reencontro comigo mesmo.

Tenho escrito mais e de forma mais natural. E esse processo tem gerado vários roteiros para novas histórias curtas.

E tem mais: os alunos do curso se sentiram órfãos com o fim da oficina. Disso surgiu a ideia de fazermos algumas reuniões virtuais, continuando a rotina de exercícios e leituras. Pode sair daí talvez um coletivo, ou uma publicação em conjunto. Ainda é cedo, mas os frutos são bons e fico feliz de ter tido a oportunidade de fazer parte disso tudo.

Por isso recomendo para todos que querem escrever a oficina do Mutarelli (mesmo que seu objetivo final não seja a escrita, mas se você gosta do trabalho dele, é uma ótima oportunidade para conhecer mais profundamente a gênese de suas obras).

E, aos que não tiverem essa oportunidade, que pelo menos ouçam o conselho: deixe um pouco de lado os manuais, e o jeito “certo” de se fazer, e siga seus instintos, divirta-se com o que faz, se expresse de verdade, sem se preocupar com o resultado em si. Curta o processo.

A vida é curta, e o que importa é a viagem, não o destino.

Novamente muito obrigado, Lourenço!

Talvez escrever roteiros não seja criar uma história

Finalizei o roteiro de mais uma história curta que pretendo publicar aqui no site e, nesse processo de criação, cheguei a uma constatação desconcertante.

Às vezes parece que escrever roteiros não é propriamente criar uma história. Antes disso, parece que é descobrir algo que aparenta que já existia em algum lugar, apenas à espera de que alguém prestasse à atenção.

E esse lugar para qual devemos olhar e observar, parece ser a nós mesmos.

Mas olhar de verdade. Profundamente.

Assim como a busca por um tesouro enterrado, descobrir uma história é cavar profundamente em nossa mente.

Só assim podemos ver algo que nós mesmos não sabíamos que existia, mas que de certa forma, sempre esteve lá.

Algumas séries que tenho visto #1

Os Aspones

Escrita pela saudosa roteirista Fernanda Young em parceria com Alexandre Machado, a série teve apenas uma temporada. Revi estes dias. Gosto bastante do humor de situação e o clima decadente da repartição pública que serve de universo para reunir esses personagens dissonantes. Ótimas atuações e direção. É Dilbert live action versão tupiniquim.

Twin Peaks temp. 1 e 2

Estou revendo a clássica série de David Lynch que revolucionou a TV nos anos 90. Gosto muito da ambientação e dos personagens icônicos. Parece que a mecânica do roteiro é sempre ter em cena um personagem relativamente normal interagindo com outro estranho, surtado, enigmático ou excêntrico. Desse contraponto estão as melhores cenas. O espaço para o vazio, o silêncio e o enigmático é a cereja no bolo. Twin Peaks é essencial.

Voltando aos poucos…

Esses últimos 16 meses foram conturbados. Mudança de trabalho, construção, pandemia… muitas mudanças que resultaram em uma rotina puxada e pouco ou nenhum tempo para desenhar.

Não temos o luxo de viver de quadrinhos. Então é normal, vez ou outra, sermos sequestrados pela vida mundana.

Continuei treinando paisagem com carvão vegetal (tenho postado aqui), mas quase nada fiz em quadrinhos.

Acredito que aos poucos a vida vai voltando ao normal. Vou poder voltar às leituras e aos projetos em quadrinhos que estavam sobrestados.

Feliz que a Café Espacial 17 foi indicada para o HQMix e ansioso para ter de volta minha rotina, igualmente exaustiva, porém, criativa.

Espero que todos estejam bem, vivos, usando máscaras e álcool em gel.

Até!

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